Heidegger, a técnica e o Diário Gráfico – Parte I/II

Heidegger começa por afirmar que a procura da essência de algo está associada à questão do que é esse algo e, neste sentido, colocando a questão de o que é relativamente à técnica, o autor começa por avançar com a determinação instrumental e antropológica da técnica que diz que este é, por um lado, um meio para um fim e, por outro, uma actividade do Homem. (2002:12)

Instrumento e actividade estão ambos interligados em que um está ao serviço do outro. No contexto da comunicação, em particular, da semiótica social de Theo Van Leeuwen, a técnica enquanto instrumento está associada a própria noção de recurso semiótico. Segundo Leeuwen (2005:3), recursos semióticos são as acções e/ou artefactos que utilizamos para comunicar, quer sejam produzidos fisiologicamente (sistema vocal, musculos para criar expressões faciais ou gestos, entre outros) ou tecnologicamente (caneta, tinta e papel; com hardware e software, com tecidos tesouras e máquinas de costura, entre outros).

Para Heidegger, a procura da essência prende-se com procura da verdade. Assim sendo, apesar de a determinação instrumental e antropológica da técnica ser correcta, ela não esta ligada forçosamente à descoberta da essência, da verdade. “… o simplesmente correto ainda não é o verdadeiro.” (HEIDEGGER, 2002:13)

Para chegar à essência, o autor começa por questionar a própria noção de meio para atingir um fim, a noção de causa/efeito. Neste contexto, o autor fala numa relação reciproca. Causa é meio, mas também é o fim com que se determina o tipo de meio utilizado. “Onde se perseguem fins, aplicam-se meios, onde reina a instrumentalidade, aí também impera a causalidade.” (HEIDEGGER, 2002:13)

Instrumentos ao serviço da comunicação são recursos semióticos com um determinado potencial semiótico associado aos seus usos passados, presentes e potenciais usos futuros, numa relação com o sujeito que o utiliza, ditado pelas convenções e código sociais. (CRUZ, 2012:24) O diário gráfico, enquanto recurso semiótico de comunicação, enquanto técnica, está associado à causalidade de que nos fala Heidegger. Este objecto corresponde à determinação instrumental e antropológica da técnica. Ele é um meio para um fim e associa-se a uma actividade do Homem estando assim associado à noção de causalidade.

Segundo Heidegger (2002:13), existem 4 causas: (i) A causa materialis, o material que compõe o objecto; (ii) a causa formalis, a forma do objecto; (iii) a causa finalis, a finalidade ou a função do objecto que determina a forma e a matéria; (iv) a causa efficiens, o autor ou o artesão que produz o objecto. Estas quatro causas podem estar relacionadas com as noções de material, forma, função e autor, respectivamente.

No entanto, a essência de causa permanece obscura e, assim sendo, também permanecerá a própria determinação instrumental e antropológica da técnica. As 4 causas traduzem-se em 4 modos de dever e responder no sentido em que material, forma, função e autor, respondem pelo o objecto e este deve o que é às suas causas. Estas respondem pelo dar-se e propor-se do objecto, pela sua vigência. (HEIDEGGER, 2002:15)

O objecto revela-se na sua verdade através destes 4 modos. Estes deixam-viger, permitem a existência material, estética e funcional, do objecto, permitem a possibilidade. O Diário Gráfico, define-se assim de forma mais precisa pelos 4 modos. O material que o constitui, a sua forma, a sua função e o seu autor.

É aqui pertinente expôr a forma como Leeuwen caracteriza o género semiótico. O autor refere que:

“… este pode ser caracterizado (i) pelo seu conteúdo (por exemplo, um poema pode ser definido pela estrutura em quadras e versos); (ii) pela sua função (o género “notícias” é definido pela função de informar sobre determinado evento de interesse público, o género “publicidade” é definido pela função de vender produtos ou serviços); (iii) e pela sua forma (por exemplo, um quarteto de cordas). Leeuwen acrescenta que diferentes combinações são possiveis. Por exemplo, um vídeo publicitário é caracterizado pela função de vender um produto ou serviço, pelo conteúdo por incorporar imagem em movimento, texto e som, e pela forma no sentido em que surge como uma unidade independente áudio-visual com um tempo de duração relativamente curto.” (LEEUWEN, 2005:123 in CRUZ, 2012:29)

Torna-se complicado definir o Diário Gráfico enquanto género semiótico no âmbito do seu conteúdo e função. Vários autores, num eixo de tensão entre exploração e exposição, usam este objecto de diferentes formas com diversos intuitos. É através da forma que se torna possivel definir com mais rigor este objecto. Segundo Eduardo Salavisa (2008:14), o Diário Gráfico é um “… caderno portátil onde o registo predominante é o gráfico, o desenho, de observação ou não, podendo, apesar disso, recorrer à escrita e a qualquer outro tipo de técnica, incluindo a colagem de imagens préexistentes.”

De acordo com as 4 causas, este intrumento define-se pelo seu material, pela sua forma, função e autor, sendo interessante observar a variação do potencial semiótico deste recurso consoante a sua causa efficiens.

CRUZ, Tiago (2012), Do registo privado à esfera pública: O Diário Gráfico enquanto meio de expressão e comunicação visual, Tese de Mestrado em Comunicação na Era Digital no Instituto Superior da Maia, Maia, pp. 22 – 34
HEIDEGGER, Martin (2002), Ensaios e Conferências, Brasil: Editora Vozes, pp. 11 – 38
LEEUWEN, Theo Van (2005), Introducing Social Semiotics, New York: Routledge
SALAVISA, Eduardo (2008), Diários de Viagem: Desenhos do Quotidiano, Lisboa: Quimera

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