A procura de mediação entre o Homem e o que o rodeia é essencial no desenvolvimento cultural. Segundo Vasconcelos e Sá, “A procura de figuras da mediação é […] sinónimo da procura de um caminho, de uma organização que permita estruturar e estabilizar visões do mundo organizadoras da experiência.” (2001:124)
A tecnologia é um elemento importante neste processo de mediação. Estes recursos semióticos são utilizados, ou podem ser utilizados, pelo sujeito para comunicar, para construir sentido, num determinado contexto espácio-temporal, público e/ou privado. A tecnologia suporta esta mediação público e/ou privada. (Vasconcelos e Sá, 2001:124) É importante salientar que esta divisão entre esfera privada e esfera pública é algo que tende a desaparecer com o advento da modernidade. No entanto, é na pós-modernidade que a fronteira se torna extremamente ténue. Segundo Bauman, “Ehrenberg, sociólogo francês, afirmou que, em sua opinião, a revolução pós-moderna começou numa quarta-feira à noite, num Outono da década de 1980, quando uma certa Vivienne, uma mulher comum, na presença de 6 milhões de espectadores, declarou nunca ter tido um orgasmo durante o seu casamento, porque seu marido, Michel, sofre de ejaculação precoce.” (2011) Bauman defende que o que marca a diferença entre a era moderna e a era pos-moderna é o facto de a Ágora -o espaço público, o colectivo- ter sido conquistada pela privacidade, pelo individual. (Cruz, 2012:37)
O exemplo do uso dado ao Diário Gráfico espelha em grande medida esta problemático. Diversos autores, em particular a comunidade dos Urban Sketchers, usam os seus Diários Gráficos no ambito privado e, posteriormente, suportados pela internet e em particular pela plataforma Blogger, publicam os seus registos online fazendo assim a passagem para a esfera pública. Esta passagem privado/público é marcada por uma alteração no potencial semiótico do recurso em que este deixa de estar ao serviço de um processo exploratório para passar a estar ao serviço de um processo expositivo. (Cruz, 2012:38)
Voltando à modernidade, “Para alguns, as ‘máquinas de comunicar’ seriam um mero suporte da interacção, constituindo um conjunto de instrumentos que não se distinguiriam das utensilagens pré-modernas.” (Vasconcelos e Sá, 2001:125) O discurso semiótico da técnica enquanto algo apenas instrumental e neutro, sob o controlo do Homem, traduz-se numa visão extremamente redutora. Segundo Vasconcelos e Sá, “O problema com estas interpretacoes […] é que as tecnologias da informação, que são sempre uma tecnologização da comunicacao, tendem tambem a escapar ao controle, impondo novas formas de mediacao que vao alem da palavra e centrando-se na imagem e numa certa maquinacao do sujeito.” (2001:125)
Heidegger rejeita esta visao instrumental da tecnica e, segundo o autor, a essencia da técnica, quer tradicional quer moderna, esta associada ao desencobrimento do real, à revelação da verdade. (2002)
Veja-se, por exemplo, como o uso do Diário Gráfico, do caderno, contribui activamente para a construção do discurso semiótico que caracteriza as representações feitas neste suporte de pessoais, privadas, informais, autênticas, verdadeiras, etc. O Diário Gráfico não é um mero instrumento ao dispor de um sujeito que o controla mas sim, um elemento fundamental no processo de comunicação moldando a mensagem, os significados, comportamentos, interpretações, entre outros. (Cruz, 2012)
Esta visão relativa ao Diário Gráfico aproxima-se bastante das ideias de McLuhan no sentido em que “…os media sobredeterminam a palavra e o seu sentido. […] ‘The media is the message’.” (Vasconcelos e Sá, 2001:129)
Ao contrário de Heidegger, McLuhan rejeita o racionalismo e o positivismo levando-o a recusar a ideia de progresso essencialmente suportado pelo desenvolvimento da técnica. (Vasconcelos e Sá, 2001:130) Apesar de McLuhan, numa primeira fase, ter criticado a tecnologia e a ciência, o autor desenvolve uma espécie de amor-ódio relativamente à técnica. Numa segunda fase, McLuhan “… acaba por repudiar as atitudes simplificadas de indignação ou de recusa, em favor da vigilância produtiva face à técnica [e] passa a reconhecer que a cultura de massa está não apenas cheia de potencialidade de destruição, mas também de promessas de fecundos desenvolvimentos.” (Vasconcelos e Sá, 2001:131)
McLuhan acredita que, mais do que a mensagem, são os meios de comunicação em si que moldam a sociedade. Uma série de questões nascem deste pressuposto: (i) De que maneira os meios de comunicação influenciam as mensagens?; (ii) Que aspectos do humano são afectados pelos meios de comunicação?; (iii) Que relação existe entre os media e o homem?; (iv) Porque razão determinadas épocas legitimam certos meios e não outros? (Vasconcelos e Sá, 2001:132)
Em conclusão, tendo como referência o acto comunicativo através do Diário Gráfico, facilmente percebe-se que este media “carrega” a mensagem com determinados significados que não dizem respeito à mensagem em si mas sim ao potencial semiótico do caderno, do media. Potencial semiótico este que tem raízes na sua utilização passada quando predominantemente ao serviço de processos exploratórios. (Cruz, 2012)
AA. VV. (sd.), Urban Sketchers, www.urbansketchers.org
AA. VV. (sd.), Urban Sketchers Portugal, http://urbansketchers-portugal.blogspot.com
BAUMAN, Zygmund (2011), Zygmund Bauman – Frontiras do Pensamento, youtu.be/POZcBNo-D4A
CRUZ, Tiago (2012), Do registo privado à esfera pública: O Diário Gráfico enquanto meio de expressão e comunicação visual, Tese de Mestrado em Comunicação na Era Digital no Instituto Superior da Maia, Maia
HEIDEGGER, Martin (2002), Ensaios e Conferências, Brasil: Editora Vozes, pp. 11 – 38
LEEUWEN, Theo Van (2005), Introducing Social Semiotics, New York: Routledge
VASCONCELOS e SÁ, José Carlos (2001), A Crítica da Técnica e da Modernidade em Heidegger e McLuhan, revista Interacções, Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra, pp. 124-137
Muito interessante a sua aproXimação à reflexão sobre o diário gráfico, que tanto lhe interessa!